quarta-feira, 24 de junho de 2015

Verdadeira Humildade



Mensagem de um preto-velho
Escrita por Pedro Rangel T. Sá

Estava eu em um terreiro de umbanda intensamente acolhedor participando de uma Gira de Preto-velho, preste a terminar, quando uma Entidade desta linha de trabalho umbandista convidou-me a sentar em sua frente.
— Saravá zifio! Suncê é o ultimo filho de Deus que Nêgo atende no dia de hoje, mas tem nada não né fio por que muitas vezes os últimos acabam sendo mesmo os primeiros, não é?
— É verdade Pai, mas é que eu não estou entendendo uma coisa.
— Calma fio, este Nêgo já escuta suncê, mas antes gostaria de lhe dar um presente.
— Presente?
— É fio! Nêgo pode?
— Por favor, meu Pai, fique à vontade!
— Pois então Nêgo pede que suncê jamais se esqueça que o presente é somente pro fio e que este presente é umas palavras que escrita neste pedacinho de papel.
A Entidade estendeu sua destra para me entregar o papel e, quando fiz menção de abri-lo, disse para mim:
Fio, Nêgo pede a suncê que não abra este presente agora não senão ele vai ficar envergonhado.
— Sim senhor.
Nêgo pede, antes, que suncê dê um presente a ele perguntando o que suncê não entendendo.
— Bom meu Pai, o que eu não estou entendendo é que sempre que visito algum dos Senhores em alguns momentos do sono físico fico como se fosse um repórter: olhando e pesquisando tudo que me for permitido relatar posteriormente na forma de mensagens.
— E o que o fio não entende?
— É que, pelo o que eu estou entendendo o senhor vai me dar uma consulta, não é isso?
— Não fio, Nêgo só quer agradecer suncê!
— Ah, ta!
— Mas se Nêgo fosse dar uma consulta suncê ia achar ruim?
— Não. Eu só iria achar estranho e inusitado, pois isto, conscientemente, nunca aconteceu, antes, em um sonho.
Fio, permita-se viver e descobrir as novidades e a dinâmica da vida sem transformá-las em uma fórmula. Não é por que algo nunca aconteceu com suncê antes que não poderia acontecer agora, certo?
— O senhor tem razão.
— Nunca queira dizer que sabe tudo da religião que suncê professa pelo fato de ver os fenômenos acontecerem sempre da mesma forma. Ponha-se sempre na condição de um eterno aprendiz.
— Sim senhor, perdão!
Suncê não precisa pedir perdão não zifio. Nêgo é que tem de se desculpar por estar falando demais.
— O senhor não precisa pedir desculpas, pois é sempre bom eu estar relembrando esta questão da eterna aprendizagem sobre a umbanda a fim de que eu sempre possa estar exercitando a divina virtude da humildade.
Nêgo pede perdão a suncê por que ele não gosta muito de falar, mas sim de escutar.
— Pôxa meu Pai, é uma pena por que eu não tenho nada para falar, mas sim para agradecer a Vossa lembrança na questão do eterno aprendizado umbandista.
— Então Nêgo se despede do fio pedindo a Zambi que ilumine e abençoe suncê em sua jornada e dizendo a fio que Nêgo é que sempre vai ter o que agradecer ao fio.
Eu nada respondi ao Pai velho. Fiquei pensando no agradecimento que Ele me fez e, acho que sem perceber, fiz algum tipo de careta que O fez retomar o diálogo comigo.
Nêgo inté já se despediu de suncê zifio, mas jamais poderia ir embora vendo esta “careta” de interrogação no rosto do fio. Pode perguntar pra Nêgo fio!
— Sabe meu Pai velho é que não é bem uma pergunta.
— Então é o que zifio?
— É uma observação.
— Pode falar fio.
— É que eu agradeci o senhor por ter ressaltado para mim à importância do umbandista se considerar sempre como um eterno aprendiz e o senhor me agradeceu de volta dizendo que sempre vai ter o que me agradecer.
— E o fio não concorda com este agradecimento que Nêgo fez a suncê, não é isso?
E eu, meio sem graça, respondi:
— É meu pai.
— Sempre quando nóis acaba de atender um fio suncê já viu ele agradecer a nóis e nóis agradecer a ele de volta, certo?
— Certo só que eu não entendo...
— ... calma zifio, se suncê não entende deixa Nêgo tentar explicar.
— Sim senhor.
Fio, sempre que suncê vê um de nóis, preto-velhos, agradecer um fiado quando o atendimento dele termina, lá no fundo, suncê fica pensando se nóis, na verdade, não estaria bajulando os zifios atendidos com o intuito de, através dessa bajulação, os zifios esquecer desta “imensa luz” que suncê diz que nóis tem e nos igualar a eles, não é verdade?
Devo confessar que fiquei extremamente desconcertado com esta observação precisa da Entidade amiga, no entanto, eu o respondi:
— É verdade!
Fio, Nêgo gostou de sua sinceridade, mas imagine com Nêgo:
Imagine um doutor de branco de suncês ai da terra indo para o seu lugar de trabalho e, depois de tanta preparação na escola, não aparecer um fio de terra para ele atender. Passa um dia inteiro e não aparece um paciente, passa dez dias e nada, passa um mês e nada.
— Imaginou?
— Sim senhor!
— Então responde pra Nêgo: que mérito terá este doutor de terra quando tiver que prestar esclarecimento ao seu chefe sobre o seu trabalho?
— Nenhum.
— E esse doutor que nóis imaginou, vai ter chance de subir na profissão?
— Não senhor!
— Então suncê tá acabando de dizer pra Nêgo que só o conhecimento não leva a nada se, junto dele, não estiver à prática. È isso?
— Sim senhor!
— Então suncê começando a entender: um fio que vai ao doutor de terra jamais deve se sentir apenas um receptor da ajuda dele, ele deve se sentir também um doador de ajuda ao doutor de terra. Por que sem um doutor de terra os paciente continua com seus problemas, mas sem os paciente o doutor de terra perde a oportunidade de verificar a eficácia do seu aprendizado e, com isso, aperfeiçoar suas técnicas e evoluir nos seus atendimentos. Nêgo tá mentindo?
— Não senhor!
— Então porque suncê acha que nóis mentiria pra suncê ao agradecer o fio pela oportunidade de nóis tá praticando a caridade?
— .............
— Desculpe a franqueza de Nêgo, mas suncê precisa parar de ver ele como se fosse um espírito de luz que nada mais tenha a aprender e, consequentemente, evoluir.
— Mas os senhores são espíritos de luz.
— Não zifio. Nóis, como suncês, somos espíritos. A luz, que suncês diz que nóis tem, também é de suncês por que se não fosse o atendimento de nóis com suncês, o aprendizado de nóis com suncês, nóis ainda estaria no breu da ignorância.
Ouvindo os comentários sábios da Entidade comecei a sentir o coração a “bater na boca”, uma lágrima a querer escorrer do canto de meus olhos e só pude responder:
— O senhor tem razão.
— Este Nêgo Véio pode falar o português errado, andar aos farrapos e bem devagarinho, mas se tem uma coisa que nóis não faz é bajular quem quer que seja! Quando acaba um atendimento e nóis agradece aos fiado, nóis agradecendo a oportunidade que aquele fiado tá nos dando de praticar a caridade e evoluir junto a Zambi nosso Pai. Porque esse fiado que foi atendido poderia ter muito bem procurado um outro Mano pra fazer atendedor, mas o fiado escolheu este Nêgo e Nêgo tem que agradecer porque se o fiado se consultasse com outro Mano era só o fiado que iria evoluir, pois Nêgo ia ter que ficar parado no mesmo lugar se não prestar atendimento aos zifios necessitados, suncê não concorda?
Sim senhor.Zifio, entenda uma coisa: humildade é uma coisa, falsa humildade é outra.
— Como assim?
— Humilde não é aquele fio que tem um potencial, uma luz, e a renega com medo de atrapalhar a visão de seus companheiros de jornada com o reflexo dessa luz. Este é o falso humilde, pois o próprio mestre Jesus disse: “Que brilhe a vossa luz!!!”. Humilde mesmo zifio é aquele fiado que procura, de alguma maneira, iluminar o caminho de seus irmãos compartilhando a sua luz, não apenas pela consciência da importância desta benfeitoria, mas também para que a luz que vem de Zambi também possa iluminar o caminho dele, pois o mestre Jesus, através de seus exemplos, também deixou bem claro que: “É dando que se recebe”.
— Quando este Nêgo agradece a suncês quando termina um atendedor significa que ele procurando, de alguma forma, exercer a verdadeira humildade não apenas para iluminar o caminho dos zifios, mas também para ter um pouquinho do caminho dele alumiado com a luz que vem de Zambi nosso Pai. Sem suncês nóis não é nada. Entende zifio?
— Sim senhor!
— Na verdade zifio, quando Nêgo agradeceu suncê hoje ele viu uma luz que, ao clarear um pouco os seus caminhos, deixou a mostra uma pedra que está a obstruí-lo.
— Uma pedra?
— Exatamente. Mas o fio não se preocupe, pois o peso dela é do tamanho exato que suas forças podem remover.
— E que pedra seria essa?
— A pedra da desvalorização que o zifio tem por si próprio.
— Como???
— Por que suncê acha que quando Nêgo se despediu do fio dizendo que sempre ia ter muito que agradecer a suncê, o fio manifestou a descrença no sincero agradecimento de Nêgo? Suncê acha que é por falta de conhecimento seu sobre a nossa forma de trabalho? Pois Nêgo fala que não foi esse o causador da descrença! Nêgo fala que suncê não acreditou na sinceridade do agradecimento dele pelo fato de suncê não acreditar em si próprio. Aquele que não acredita em si próprio jamais poderá acreditar em alguém.
— Mas eu acredito no senhor.
— Quando o fio era curumim, apesar de diversas situações sinalizarem o oposto, o fio se achava feio por demais, certo?
— Certo.
— Por causa desta forma de pensar o fio pensava que jamais encontraria um rabo-de-saia pra namorico, não é verdade?
— Sim senhor.
— E quando foi que suncê arrumou um rabo-de-saia? Foi quando seus amigos falaram que suncê era capaz?
— Não.
— Então zifio, quando foi?
— Quando eu passei a acreditar em mim mesmo.
— E quando isto aconteceu suncê nem demorou a arranjar um rabo-de-saia. Não é verdade?
— Sim senhor.
— Pois então zifio este Nêgo fala pra suncê que foi este seu sentimento de inferioridade que fez o zifio duvidar da sinceridade do agradecimento dele a suncê.
— Como?
— O fato de suncê se achar inferior a Nêgo fez suncê duvidar da sinceridade do agradecimento dele ao zifio quando estava a se despedir.
— Mas eu não sou inferior ao senhor?
— Inferior em que zifio?
— Na elevação espiritual, por exemplo.
— Mas zifio, se Nêgo, ao longo de séculos, subiu um degrauzinho ou dois na escada da evolução Divina foi graças aos zifios que Zambi permitiu que ele auxiliasse!!! São as dificuldades que suncês passam na vida e que nóis tenta ajudar que fazem com que nóis, que suncês chama de Entidades, possa engatinhar na direção de Zambi. Nóis quer que suncês nunca tenha dificuldade, mas se o carma de suncês cobrar nóis tem o dever de auxiliar suncês por que fazendo isso somos nóis mesmos que estaremos sendo ajudados.
— Como assim?
— Seu sentimento de inferioridade, por exemplo, nóis queria que ele não existisse mais, mas se ele existe e nóis consegue fazer com que suncê transmute ele em auto-estima, nóis estaremos lhe ajudando, certo?
— Certo?
— E se suncê vence essa dificuldade e evolui, nóis também acabamos evoluindo, certo?
— Certo.
— Então suncê entendeu Nêgo: nóis não gosta de ver suncês triste e, se suncês tiver merecedor, nóis vai fazer de tudo que for possível para transmutar este sentimento em alegria e, se suncês vence a tristeza e evoluem na direção de Zambi nóis também vamos evoluindo e, se suncês nos agradecer por isso, nóis também temos o dever de fazer o mesmo, pois quando suncês evolui, nóis também evoluímos, entendeu?
— Sim senhor.
Nêgo fica feliz com seu entendimento, mas Nêgo quer perguntar pro fio se suncê pode fazer um favor pra ele.
— Com certeza!!!
— Então Nêgo pede pra suncê dizer a todos os seus irmãos umbandistas que nóis, que suncês chama de Entidades, temos para com eles uma divida eterna de gratidão que nos faz agradece-los ao término de cada atendimento e trabalho espiritual que realizamos em favor do próximo.
— Divida? Qual divida?
— A divida da eterna gratidão por eles auxiliar a nóis em nossa evolução rumo a Zambi nosso Pai.
— Pode deixar que eu o farei querido Pai velho.
— Então este Nêgo pode se despedir de suncê outra vez em forma de agradecimento?
— O senhor não precisa nem pedir!
— Não preciso porque agora suncê entende o agradecimento?
E eu, com os olhos cheios de lágrimas, respondi:
— Não. Não precisa porque o senhor mora no fundo do meu coração!
Ao contrário do que pensei o Preto-velho nada respondeu em relação a minha sincera manifestação de amor a Ele. Eu achei até estranho por que sei que esta linha de trabalho da umbanda é extremamente atenciosa e afetuosa, mas o Pai velho, com um sorriso enigmático na face, apenas despediu-se dizendo:
— Fique na força e na luz de Zambi, nosso Pai!!!
E eu O respondi:
— Que assim seja!!!
Após esta despedida a gira de preto-velho acabou e eu, no entanto, ao invés de retornar ao corpo físico, fiquei ali parado sem entender por que a Entidade nada me respondeu em relação a minha manifestação de carinho. Na verdade, eu já estava começando a querer ressuscitar até o meu antigo problema de inferioridade, querendo pensar que a Entidade nada me respondeu pela minha inferioridade moral e espiritual em relação a Ela. Foi quando, ao apalpar o bolso direito de minha calça eu senti um volume sutil e me lembrei do presente que o Pai velho havia me ofertado.
Sem mais demoras eu abri o pedaço de papel que se encontrava dobrado e pude ler:
“Pare de se sentir inferior zifio! Nêgo nada respondeu pessoalmente a sua manifestação sincera e pungente de carinho por que Nêgo já havia dado este presente pra suncê e se Nêgo falasse alguma coisa ia acabar estragando a sua surpresa e, se isto acontecesse, suncê poderia ficar até mesmo triste, justamente o que este Nêgo não quer, ele quer é ver suncê feliz.
Como suncê observando existe uma parte desta mensagem em que, aparentemente, não existe nada escrito.
Concentre-se de olhos abertos e segurando com as duas mãos este papel, próximo a região onde se encontra o seu coração, em todo o amor que suncê sente por suncê mesmo que o zifio acabará encontrando, aqui mesmo nessa parte em branco da mensagem, o presente de eu pra suncê
Achei inusitado o pedido de concentrar-me de olhos abertos, mas sem questionar fiz o que me foi determinado e o que aconteceu depois beira o indescritível de tão surreal: ao aproximar mediamente o papel do meio do meu tórax, concentrando-me no amor solicitado pela Entidade, eu vi uma energia sair do bilhete e formar uma bola de luz violeta que levitou até a altura acima da minha cabeça para depois adentrá-la e, quando isto ocorreu, eu percebi que todo o meu tórax estava irradiando uma coloração rósea que, ao alcançar o papel, fez com que este deixasse a mostra, na região que antes parecia não haver nada escrito, letras que formavam uma mensagem que o Pai velho havia deixado pra mim:
“Não se preocupe com a cor rosa saindo do seu tórax por que ela só significa que a luz da transmutação violeta que Nêgo Véio deixou de presente pra suncê neste pedaço de papel conseguiu transformar seu sentimento de inferioridade, devido à falta de amor por si mesmo, em auto-respeito e, somente porque isto aconteceu foi que suncê conseguiu ler este pedaço da mensagem que aparentemente estava em branco; por que somente quando se ama a si próprio, um ser humano tem verdadeira capacidade de amar o próximo e de enxergar todo o amor que este tem a lhe ofertar, por exemplo, na forma de um presente. Suncê diz que ama Nêgo e eu fico muito feliz, mas nunca esqueça de amar a si próprio, pois só assim Nêgo consegue sentir com mais intensidade todo esse seu amor. Suncê vive a recordar que não é superior a ninguém, só não esqueça de se lembrar que também não é inferior. Por ultimo, este Nêgo só tem uma coisa a mais pra dizer a suncê: suncê também mora no mais recôndito lugar do coração deste Nêgo Véio!!!.”
Nem preciso dizer que despertei em minha cama aos prantos, mas penso que, esteja onde estiver, o Pai velho do meu sonho está muito ditoso com a origem do meu pranto: uma renovada e consciente sensação de gratidão a Deus pelo sonho transmutador que acabara de ter com os amados e inestimáveis preto-velhos.

Saravá ao Divino trono da evolução!!!
Saravá a divina linha de trabalho deste Divino trono!!!
Saravá a transmutação!!!!

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