quinta-feira, 19 de março de 2015

Buscando o Meu Orixá


“Quando eu andava pelo deserto, eu ouvi uma voz de longe me chamar...” Ele andava triste, por muito tempo buscava uma resposta para suas aflições religiosas. Temia que sua fé minasse a ponto de não mais bater cabeça... quando aconteceu este encontro.
Em meio ao perfume das ervas queimando na brasa, ao som dos atabaques, penumbra iluminada por velas, ele ajoelha e desaba:
- Vovô, já não agüento mais...
-O que te aflige meu fio?
- Vô, eu amo os Orixás, não tenho dúvida. Mas passei por tantas desilusões, fui enganado por pessoas que se diziam mestres no culto aos Orixás, ostentando todo tipo de títulos e artefatos. Sei que de certa forma aprendi coisas, mas no fim sempre uma desilusão...
- Continue meu fio... Em lágrimas ele recobra o fôlego e prossegue.
- Então meu velho, já deitei pro Santo, já assentei Orixás, já passei por muitos fundamentos quando eu cultuava o Orixá em outro segmento que não era Umbanda. Hoje não sei como fazer, de uns tempos pra cá começou meu Caboclo se manifestar, descobri que amo a Umbanda e este é meu caminho, o Caboclo disse que devo me fundamentar na Umbanda e devo assentar meus Orixás. Acontece que meus assentos foram confiscados pelo meu último Babalaô. Acho que meus Orixás estão bravos, estão me cobrando, tenho certeza!
- Meu fio, o que eles cobram?
- Não sei meu velho.
- Então vois zuncê vai pagar o que nem sabe que deve?
- Veja meu velho, como estou confuso. Acredito que preciso assentar meus Orixás para me acalmar. Como faço isso?
- Hehe... É meu fio, vois zuncê ta numa encruza mesmo! Intonce, aquiete seu coração, sinta este cheiro de ervas queimando e escuita com atenção o que este velho nego tem pra te fala...
- Meu velho, sou todo atenção, obrigado... – disse ele em prantos.
- Meu fio, os homens nessa terra tem uma necessidade constante de criar formas para expressar-se, neste caso, o nego vai se ater na religião. Por isso muitas são as formas de cultuar os Orixás, muitas mesmo, e é certo que muitas práticas, nem mesmo sendo tolerante às diferenças, é possível aceitar. Pois meu fio, quando o amor não for o caminho e o bom senso não for o limite, intonce muito problema vai acontecer. Sabe fio, esse velho conheceu os Orixás na antiga áfrica, e lá era tudo muito diferente, simplesmente diferente, não me arriscaria a dizer que melhor, pois assim o nego negaria a evolução constante. Este contato da minha alma com essa luz que chamamos de Orixás mudou a existência do nego, e de tanto que amo e sinto-me bem, após minha passagem para o mundo espiritual, insisti para que Olorum me deixasse perto dos seus Orixás. Sou feliz por isso fio, porque nosso Criador me ouviu. E foi assim que este velho aprendeu algumas coisas simples. Na carne este nego procurou muito os Orixás pela vida, por entre as coisas da Terra, minha Yá tinha ensinado que os Orixás estavam na Natureza, mas como eu não fugia à regra geral, entendia que essa natureza seria o plano físico da árvore, mata, água, fogo, hehe. Como que se eu tendo um pouco da água eu teria “aprisionado” o Orixá. Entendi já aqui no mundo espiritual fio que Orixá não está fora de nós, mas encontra-se dentro. Ele extrapola nossos poros e nos toma por inteiro quando entendemos e reconhecemos isso. Fio, Orixá é a essência de tudo o que você vê, escuta e sente, está muito além destes parcos sentidos humanos e muitíssimo além da nossa razão humana. Mesmo este velho tentando explicar Orixá, cometo um erro, pois sei meu fio, que Orixá não se explica, se sente. Mas como já disse, precisamos criar formas, então fio, que a sua forma seja a mais próxima do abstrato e do sutil, porque assim talvez esteja próximo do que seja Orixá. Por isso meu fio não se apegue tanto às formas de como cultuam ou assentam os Orixás, principalmente quando lhe ensinam métodos que não encontra aceitação no seu coração. Os Orixás falam ao coração, intonce é ele que você deve escutar para saber como encontrará os Orixás. Se, por exemplo, você qué assentar um Orixá das matas, vá numa mata, sinta o cheiro das folhas, toque elas, converse com o Orixá, cante, dance, colha as folha, cipó, raízes, terra, vai pegando um pouquinho do que tem lá, porque isso simboliza o tal Orixá fragmentado na natureza, com isso monte um espaço onde colocará isso e lá você reza pro tal Orixá. Entendeu meu fio?
Ele soluçando e enxugando as lágrimas com a voz embargada responde:
- Meu velho, vovô querido, muito obrigado. Agora sinto o Orixá dentro de mim. Entendi sua mensagem e não sei como agradecer.
- Fio não tem de quê. Agora vai ao encontro de si mesmo para encontrar os Orixás. Seja feliz meu fio por entender que da essência só bebe aqueles que amam simplesmente por não saber explicar. E sempre que irmanados os filhos deste plano estiverem, sem máscaras, sem receios, sem pretensões, lá, através do coração sincero de cada um, o Orixá se manifestará. Todos vocês são filhos de Orixá e adotados por todos os Orixás do Universo, somos filhos dos Pai e Mães Celestiais e nada existe sem a relação harmoniosa e contínua de todos Orixás num emaranhado perfeito. E se buscas o “teu” Orixá, então o encontra dentro de ti! Saravá!
E assim, com três estalos de dedo, o Velho sacudiu seu médium, retornando para sua Aruanda, uma sensação de paz profunda pairava no ambiente e o atabaque secou o couro, um silêncio se fez no ar e podia ouvir o crepitar do fogo nas velas, este silêncio eram os Orixás falando ao coração de cada um presente naquela gira.
De Vovô Benedito
Por Rodrigo Queiroz

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