domingo, 1 de março de 2015

"São três irmãs da língua ferina, uma Mariana, outra é Herondina e a outra é Toya Jarina..."

Pensar, proferir, retratar, redigir sobre estas três sábias e amadas irmãs da encantaria amazônica: Mariana, Jarina e Herondina, está deveras longe de qualquer conceituação definitiva ou objetiva, assim como qualquer análise feita referente ao sagrado e seus mistérios que acabam por fugir de nossas mentes racionais, pois muitas vezes nos deixamos levar pelas armadilhas do excesso de “intelectualismo”, vulgo EGO. Nesse sentido, o caminho que vou trilhar agora será muito mais abstrato do que concreto ou exato. Expressarei, assim de forma mais pessoal, como vejo e sinto essas entidades, seus arquétipos e representações, as maneiras que atuam em seus trabalhos magísticos divinos.
No culto religioso “tambor –de- mina”, as caboclas, Mariana, Jarina e Herondina são creditadas pela maioria de seus praticantes como turcas encantadas, princesas, que vieram fugidas daquela região em função do conflito bélico das cruzadas, a primeira ocorrida na terra santa em torno de 1099, desembarcaram nos lençóis maranhenses, atravessaram os portais e “se encantaram”. As princesas chegaram à Ilha dos lençóis, um pouco antes do desaparecimento do rei português dom Sebastião e de sua caravela na batalha de Alcacequibir em 1578, em luta contra os mouros, e que os portugueses acreditavam que um dia voltaria, os quais também “se encantaram” nos lençóis maranhenses, reza tais “lendas” e que estão vivas até hoje na memória dessa religião. A luta dos cristãos contra os mouros, tão trágica ao imaginário português, se transformou em mitologia religiosa, só que dessa vez os turcos da encantaria são agora aliados, não inimigos. Elementos da encantaria amazônica, lembra Reginaldo Prandi, como as histórias de botos que viram gente e vice-versa; “lendas” de pássaros fantásticos, de sereias e iaras, tudo isso foi compondo, ao longo do tempo, a religião que se convencionou chamar encantaria ou encantaria do tambor-de-mina, no Maranhão e sua vertente paraense, aonde muito de suas entidades e batuques sagrados foram captados pela Umbanda amazônica.
Contudo há algumas vertentes de umbandistas do Pará que alegam que das três irmãs da língua ferina, duas nunca tiveram vida terrena, que são as caboclas: Mariana e Jarina, originárias dos reinos de aruanda, sendo que a cabocla Herondina seria uma espécie de irmã adotiva e sua última encarnação terrena teria sido como romana na época da proliferação do cristianismo nessa região. Enfim, mas o que interessa aqui não são as verdades ditas de cada culto religioso ou templos sobre essas encantadas, e sim como elas estão representadas nas linhas da Umbanda e seus trabalhos magísticos na lei divina em ação.
Inicio refletindo sobre a cabocla Mariana que das sete linhas da Umbanda Sagrada, atua geralmente na linha co-criadora de geração, que tem no comando no âmbito feminino Yemanjá e sendo comandada por esta Yabá, realiza muitos trabalhos dentre tantos, em especial, de prosperidade e harmonia no campo da criação, seja profissional, intelectual ou mesmo no campo das artes, uma entidade que transpira e nos dar inspiração para criar , inovar em nossas vidas em todos os aspectos e até mesmo gerando e curando vidas, realiza auxílio e cura para muitas mulheres com problemas durante a gravidez e pós-parto. Seu arquétipo apesar de maternal carrega a dubiedade da sereia, encantadora e doce em seu aspecto feminino e arredio no seu aspecto de peixe [calda], combativa como os mares bravios de Yemanjá, despachada e direta, não têm papas na língua e seu animal de força é arara... É uma das caboclas mais alegres e expressivas da encantaria amazônica. Não é a toa que um dos seus pontos cantados diz: “É uma turca mal criada, nascida na Alexandria, é uma cabocla guerreira, filha do rei da Turquia...”
A cabocla Jarina, também, segue esse aspecto simbólico festivo e agitado como a sua irmã cabocla Mariana, contudo vem no geral na linha do amor que tem no comando no âmbito feminino mamãe Oxum, como bem canta o ponto: “Toya Jarina seu terreiro não cai porque mamãe Oxum está no congar”. Sendo assim é muito reconhecida pelos seus trabalhos de harmonia e união dos casais e famílias, quando há, de fato, amor de casal entre os cônjuges e não só pelos filhos ou pelo apego a conveniência moral ou material ou ainda o desejo amoroso apenas de uma das partes ou mesmo por carência afetiva , quando é assim ela desencadeia sutilmente por meio de aconselhamentos através do aparelho [médium] no templo ou por meios dos sonhos e/ou até mesmo intervindo em parceria com outros mestres no auxílio de fatos conflituosos , em especial no campo emocional, com intuito sempre de mostrar os caminhos do amor genuíno, da harmonia e do equilíbrio ao paciente ou seu filho de cabeça em suas vidas de vigília, até o véu da ilusão desmanchar de vez, nem que seja em reencarnações futuras, afinal ninguém sai da roda de samsara enganando a si mesmo. Tendo a cobra como animal de força, simboliza ainda, a cura, a renovação, a flexibilidade e a sagacidade.
E por fim a grande e magnífica guerreira amazonas cabocla Herondina, líder de ponta dos povos de Caruê na encantaria amazônica [esse povo é pertencente à linha dos felinos, o que quer dizer, obviamente que tem como animal de força, os felinos, muitas vezes se manifesta ou se transformam nesses animais no “astral”, como já foi descrito por muitos videntes], atua sob o comando de mãe Oiá [Iansã], orixá feminino que atua na linha da justiça junto com Xangô e na linha de lei junto com Ogum. Mãe Herondina é muito reconhecida pelos seus trabalhos quebrando demandas, desfazendo baixas magias, desativando “bombinhas” e até mesmo curando seus pacientes ou filhos de cabeças de larvas astrais, oriundas muitas vezes de trabalhos magísticos perniciosos fruto em geral do desespero, da mágoa, dos recalques, sentimentos mal resolvidos, enfim, da pequenez humana. Além do arquétipo da guerreira é bem menos “faladeira” que as outras irmãs; austera apesar de acolhedora e muito protetora, em especial, com seus filhos de cabeça. Cabocla Herondina lembra muito a carta no. XI do tarot , a força, a qual é representada por uma mulher subjugando elegantemente um leão, assim como geralmente se “manifesta”, acompanhada sempre de sua onça preta ou pintada. Ou seja, simbolizando determinação e autocontrole, o controle dos instintos e o equilíbrio interno; ela pode ser relacionada, ainda, com as cartas no. IX, o Eremita, o solitário caminho sabedoria e a carta no. I, o mago, o iniciado, lembrando assim exu, que é a linha esquerda da Umbanda.
Não obstante dessas três caboclas, a cabocla Herondina é a única que atua como exu nos dias de trabalho dessa linha, guardando, protegendo, abrindo os caminhos e executando a lei, assim como todos os bons guardiões, exus e pombas-giras. Em sua linha virada, Herondina em Ganga canta bravamente: “Deu uma ventania em ganga no alto da serra
É ela oh, Herondina oh ganga
Que vem vencer a guerra”.

Muitas são as representações, “olhares” e simbologias que rondam essas três famosas encantadas da encantaria amazônica, assim como outros diversos trabalhos magísticos que executam e até mesmo os quais desconhecemos, aqui destaquei apenas alguns elementos que envolvem o universo divino e misterioso dessas irmãs, longe de qualquer verdade absoluta.

Salve a encantaria sagrada! Salve as três irmãs!

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