sábado, 23 de maio de 2015

CABOCLO CACHOEIRA

Inconformado com o que se passava em sua tribo, o robusto e taciturno índio decide afastar-se dela, de seus amigos, de sua família e viver isolado. Julgava ser impossível que o seu povo não lhe ouvisse e continuasse em profunda desorganização. Enquanto outras tribos da região que hoje é conhecida como Mato Grosso do Sul cresciam e se desenvolviam, a tribo dos Xererês estava em imensa confusão. Não dava mais para ele. Tinha mesmo que viver sozinho. Estava decidido.
Pegou sua canoa e desceu o rio em busca de um abrigo seguro onde ele pudesse viver isolado do mundo. Logo encontrou uma caverna e próximo a ela uma cachoeira. Ali, em sua cachoeira, ele reinava absoluto. Sem oposições, sem ter que se explicar com ninguém, sem ter que brigar para provar que estava certo. Ele sabia que estava, mas não conseguia convencer os seus companheiros de que a tribo precisava mudar. Não, realmente ele não precisava de seu povo. Podia viver em paz, sem aborrecimentos e em harmonia com a natureza. Aprendeu a comer frutas, raízes, caules, sementes e descobriu que conforme as necessidades do corpo deve-se ingerir uma ou outra parte do vegetal. Pescou e nadou no rio, tomou banho na cachoeira, fez apenas o que queria. Enquanto assim vivia aumentava o ódio pela sua tribo, pela arrogância de seus líderes, pela ignorância daqueles que não lhe queriam ouvir.
Um dia, porém, alimentado pela raiva e com a certeza de que seu povo não o merecia, aparece em sua frente um outro índio envolvido por uma luz forte mas não ofuscante, como que surgindo numa manhã de intensa neblina. Não, não era real. Ou melhor era real, mas não era material. Só podia ser um ancestral que vinha para confirmar aquilo que ele já sabia: tinha mesmo que viver só. Mas, ao contrario do seu pensamento, o espírito ancestral lhe ordenava:
Volte já! Tua tribo precisa de você. O teu ódio só faz piorar as coisas. Limpe o teu coração e retorne. Ame o teu povo e aprenda a conviver. De hoje em diante viva coletivamente. A maior covardia é fugir da vida. Volte e entenda o teu povo".
Aquelas palavras pronunciadas com austeridade e determinação não lhe soavam como uma ordem, mas sim como um conselho. Ele não sabia o por que, mas um profundo arrependimento sentiu e desatou em pranto pela sua covardia. Afinal tinha fugido da vida. Reconhecia isso agora. Decidiu voltar imediatamente. Tomou sua canoa e remou rio acima. Chegando em sua tribo foi recebido com imensa alegria por todos e desabou em pranto intenso novamente. Pensou como pode ter sentido tanto ódio de um povo que lhe amava. Arrependeu-se novamente e desse arrependimento surgiu um novo homem. Agora sim queria ser chamado de Cachoeira para que jamais esquecesse dos meses em que viveu numa caverna e do injusto ódio que sentiu.
De volta aos seus e com trabalho longo e incansável, reorganizou a tribo. Quando morreu lá estava a sua espera aquele ancestral guerreiro que mudou a sua vida:
Seja bem vindo Caboclo da Cachoeira

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