O Mensageiro de Ifá.
Serafim nasceu em Senzala Carioca, no ano de 1673. Seus pais eram escravos convertidos ao catolicismo e por isso ele recebeu o nome de "Serafim" - o Mensageiro do Senhor. Ele foi uma criança travessa, mas obediente, que aprendeu desde cedo o catecismo. Mas, algo dentro dele se incendiava quando ouvia falar dos Orixás. E assim, sempre que podia, Serafim ia até a casa de Nega Nhonha, a benzedeira da Senzala. Ele lhe pedia que contasse as histórias dos Santos Africanos e de suas tribos.
Nega Nhonha percebeu que ali estava alguém para prosseguir com sua missão e começou a ensinar ao menino tudo o que sabia da tradição. Procurou a mãe de Serafim e lhe pediu permissão para educar o menino. Josefa, a mãe de Serafim, fez apenas uma ressalva: não queria que o menino sofresse perseguições. Então Nega Nhonha ensinava, mas pedia a Serafim que não comentasse com ninguém o que aprendia.
Quando Serafim completou 17 anos, o ano de 1700 iniciou... D. Josefa ficou doente e parecia ter pouco tempo de vida. Antes de morrer ela pediu ao filho: "Meu filho, quando você puder fuja dessa vida, vá para o Quilombo e pratique a arte de nossos ancestrais. Não esqueça do que aprendeu por aqui, mas também não esqueça nossas raízes". Serafim viu sua mãe morrer e ficou só no mundo. Nunca soube quem era seu pai, pois ele foi vendido logo após seu nascimento.
Serafim já ouvira falar dos Quilombos, mas era difícil fugir da Senzala. Aqueles que haviam tentado foram capturados e açoitados até a morte, para servir de exemplo aos demais. Mas, Serafim, começou a sentir crescer sua vontade de fugir, cada vez maior e incontrolável... Um dia programou sua fuga junto com outros negros. Eles partiriam para um Quilombo nas bandas das Minas Gerais, um local novo e ainda desconhecido.
O dia combinado chegou e ele muniu-se de coragem. Prepararam tudo com antecedência e durante a noite agiram conforme o plano. Muitos capatazes ficavam a espreita, mas eles haviam colocado uma espécie de sonífero na bebida deles e estavam aguardando o mesmo fazer efeito. Quando a bebida fez efeito, eles se reuniram e partiram.
Os escravos seguiam a pé, pelo meio das matas. Eles sabiam que quando o dia amanhecesse seriam perseguidos a cavalo pelos capatazes. Um dos foragidos conhecia as matas e o caminho para o Quilombo, pois já havia seguido com outro grupo certa vez, mas foi capturado - ele sobreviveu porque se entregou e não lutou, então suas chibatadas foram mais amenas.
Com três dias andando a pé, ainda faltava muito para chegar... Eles seguiam devagar e na espreita, mantendo a cautela para não serem descobertos. Naqueles tempos, eles poderiam ser presos por qualquer fazendeiro e entregues ao antigo patrão mediante recompensa. Portanto, eles não podiam ser vistos por nenhuma pessoa. Muitos de sua raça eram contratados dos patrões para entregar os fujões, então eles não podiam confiar em ninguém que não fosse do grupo.
O grupo conseguia avançar em torno de 50 Km por dia e, no final de uma semana, chegaram ao destino. Eles foram bem recebidos pelo chefe do Quilombo e descobriram as vantagens de viver em meio aos "calhambolas". Os Quilombos das Minas Gerais, diferente de outro Quilombos, possuíam algumas vantagens: eram próximos às feiras, podiam comercializar seus produtos e não eram perseguidos pelos Senhores do Mato. Minas Gerais estava crescendo muito e toda mão de obra era bem vinda. Assim, quem vivia nos Quilombos comercializava livremente com os mineradores e podia frequentar as feiras.
Foi nesse meio que Serafim encontrou sua história e reconstruiu sua vida. Começou trabalhando como minerador e trocando com os capitães seus achados, mas em breve sua vida mudaria novamente. Dois anos depois de estar no Quilombo, uma pessoa chegou gritando às pressas por alguém que soubesse curar mordida de cobra. Havia no Quilombo uma Mãe Preta que benzia, mas ela estava adoentada e não atendia mais... Serafim, muito timidamente, ergueu sua mão e disse: "-Eu sei." Os demais até duvidaram, pois ele ainda era jovem e não parecia um benzedor. Mas, na falta de recursos, qualquer um servia... O negro correu e pegou Serafim pela mão, levando-o até a vítima, que já estava semi-morta. Era uma bonita moça, grávida de uns sete meses.
Serafim afastou-se, foi até umas plantas, colheu umas ervas, macerou-as e pediu água quente. Fez um chá e reservou. Com um canivete, fez uma cruz no local da picada e apertou... Depois colocou o sumo das ervas aquecida e enfaixou com um pano. Deu o mesmo sumo para a moça beber e avisou: terei que fazer a criança nascer para que a mãe possa se recuperar melhor.
Naquele tempo, criança de sete meses não sobrevivia e o pai escolheu a vida da mãe. Serafim tinha outros planos e clamou aos seus Orixás pela vida do rebento. Fez suas orações e mandigas e começou a pressionar o ventre da moça. Em pouco tempo ouviu-se o choro de uma criança - era um menino. Serafim disse: tragam leite de cabra e chá de arruda. Deu o chá de arruda para a moça que vomitou muito... Lavou suas parte íntimas com o chá misturado ao sumo e envolveu-a em faixas. Pediu cobertor e disse: ela precisa descansar. O leite de cabra é para o bebê, ele não pode beber leite humano ou de vaca. Enfaixem bem o bebê e não o deixem tomar qualquer friagem ou sol, por sete dias. Somente depois disso, podem trocá-lo e levá-lo a outro lugar...
Depois de uma semana, mãe e filho estavam recuperados e a fama de Serafim correu Quilombos. Começaram a vir pessoas doentes de todas as regiões e até mulheres com problemas para parir procuravam por Serafim. Todos confiavam nele, pois ele era muito respeitoso e as mulheres não corriam qualquer risco. Assim, os anos passaram e Serafim tornou-se o "médico" dos Quilombos. Mas, brancos também o procuravam, quando a medicina dos homens não funcionava mais. Ele se tornou tão respeitado que até os Sinhozinhos o mandavam chamar se algum problema mais sério caísse sobre suas fazendas.
Dez anos depois, Serafim ainda era um homem solteiro. Mas, ele precisava da ajuda de alguém, pois seus serviços eram muito solicitados. Um dia chegou no Quilombo uma negra fugida de Pernambuco. Ela estava muito judiada e Serafim não conseguiu salvá-la. Ela tinha uma filha de quinze anos e disse pra ele: "-Por favor, tome minha filha como esposa, pois sei que você é sozinho. Eu vejo que você é um bom homem e precisa de alguém para ajudá-lo. Ela sabe fazer de tudo e poderá auxiliá-lo nos atendimentos." Serafim temia casar-se, pois havia visto o sofrimento das mulheres e isso o incomodava. Sua mãe havia sido violentada muitas vezes e ele guardava essa dor consigo. Muitos não sabiam, mas ele não havia dormido com nenhuma mulher. Quando a mãe da moça morreu ele levou-a para morar com ele e não a tocou...
Com o tempo, ela aprendeu tudo e o auxiliava nos atendimentos. Ninguém sabia que eles viviam como irmãos. Mas, uma noite, Margarida (esse era o nome da jovem) foi até leito de Serafim e disse: "-Você não me deseja?" Ele respondeu: "-Fiz uma promessa aos meus deuses para que eles me ajudassem nas curas e prometi não me deitar com ninguém." Margarida respondeu: "Façamos outra promessa... Todos os nossos filhos serão Deles e Eles terão servos fiéis, pois os educaremos para isso." Então, Serafim respondeu: "Preciso de três dias..."
Serafim, instruiu Margarida e se ausentou para as matas por três dias. Fez seus rituais e conversou com os Orixás. Então, uma pomba branca lhe pousou no ombro e arrulhou em seu ouvido. Era uma resposta de Ifá e Serafim sabia o que devia fazer.
Ele voltou ao Quilombo e disse a Margarida: "-Podemos nos casar. Nossos filhos serão como os Odus do Búzio." E eles tiveram dezesseis filhos e cada filho pertencia a um Orixá. Quando o último filho completou 16 anos, Serafim o preparou e avisou: "-Você ocupará meu lugar." Ele era filho de Ifá e chamava-se Orumimaia. Serafim, morreu aos 72 anos em seu leito, quando todos os Orixás lhe saudaram e disseram: "-Você fez bem. Você cumpriu sua missão!" Serafim fechou os olhos para a terra e abriu os olhos espirituais, passando a cumprir uma nova missão: a de Pai Velho.
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