Aquele Preto Velho andava calmamente por entre as lápides daquele cemitério.
Pitava seu cachimbo marrom curvo, observava a todos que por ali perambulavam naquele dia.
Os espíritos humanos encarnados, depositavam flores nos túmulos, acendiam velas, choravam a saudade de seus entes queridos, de seus amigos, de seus amores. Alguns espíritos perdidos andavam também por ali, buscando algo que, em muitos casos, nem eles sabiam o que era.
Com a mão esquerda, o Preto Velho ajeitou seu enorme chapéu de palha, deixando-o caído para o lado esquerdo de sua cabeça, cobrindo parte de sua face. Pitou o cachimbo mais uma vez.
Um menino negro, aparentando 12 anos de idade aproximou-se dele.
Imediatamente, o Preto Velho olhou para o menino, e perguntou:
- O que você faz aqui, pequeno?
- Posso ficar com o senhor, Pai Cipriano do Cruzeiro das Almas? Gostaria de aprender um pouco mais sobre tudo.
O Preto Velho soltou uma suave gargalhada, pitou o cachimbo novamente, olhou para o menino e falou:
- Meu pequeno, você pode sim andar comigo, mas, saiba que verá coisas que não serão muito agradáveis aos seus olhos. Verá irmãos seus, encarnados e desencarnados se auto-torturando, verá irmãos seus, encarnados e desencarnados, sofrendo por perda e saudade, verá irmãos seus, encarnados e desencarnados, emitindo energias e vibrações baixas, fruto da ignorância pela qual, consciente ou inconscientemente, optaram.
O menino olhava fixamente para o Preto Velho, que prosseguiu:
- Mas você também verá, pequeno, pessoas que emitem, a partir de seus corações, vibrações de amor, de fraternidade. Muitas, menino, até se encontram perdidas pelas ilusões do materialismo (e olha que falo não somente de encarnados, mas de desencarnados também), porém, ainda assim, buscam um caminho de luz. É verdade que, com muita dificuldade, acabam trilhando um caminho mais longo, mas, tenha certeza, lá chegarão em algum momento.
O Preto Velho olhou para o menino, estendendo-lhe a mão, e falou:
- Venha comigo, meu pequeno!
Levou o menino até o Cruzeiro das Almas daquele Campo Santo.
Lá chegando, assentou-se, pôs o menino sentado sobre sua perna direita, afagou seus cabelos, olhou em seus olhos, e falou:
- Você, pequeno, representa a esperança a todos os espíritos humanos, encarnados e desencarnados, de uma caminhada limpa de volta aos braços do Pai.
O menino perguntou:
- O que isso quer dizer, Pai Cipriano do Cruzeiro das Almas?
- Isto quer dizer, pequeno, que Olodumaré, nosso Pai Maior, quer que todos nós caminhemos rumo a Ele com a pureza no coração que você tem e, quando aos Pés D’Ele chegarmos, continuemos com esta pureza, mas, tenhamos adquirido a vivência, a experiência, a sabedoria que os cabelos brancos desse Negro Velho trazem.
- E como pode uma pessoa conseguir isto, Pai Cipriano do Cruzeiro das Almas?
- Voltando-se para o seu interior, reconhecendo-se como um ser divino (pois é um filho de Deus), mas, reconhecendo também, suas limitações. E para isso, meu pequeno, há de se trilhar a jornada com humildade.
- É assim que eu devo fazer para ser como o senhor é, Pai Cipriano?
- Sim, meu pequeno, caminhe desta forma e você chegará a este ponto da jornada em que me encontro, sem sofrimentos.
O menino olhou fixamente nos olhos do Preto Velho. Olhou para espíritos que caminhavam atrás do Cruzeiro das Almas, perdidos, alguns com semblante maléfico (provocado pela opção à ignorância humana). Olhou para a esquerda, viu belíssimos guardiões e belíssimas guardiãs. Fixou seu olhar naqueles espíritos.
O Preto Velho pitou o cachimbo, sorriu e falou:
- São os guardiões e guardiãs, pequeno, deste Campo Santo. Mas também são aqueles que atuam na guarda dos humanos encarnados. São os Exus e Pombagiras.
O menino sacudiu a cabeça lentamente, afirmando ter compreendido.
Em seguida, olhou para a direita, viu espíritos que caminhavam em sua direção. Caboclos, Caboclas, Pretos Velhos, Pretas Velhas, Ciganos, Ciganas e Crianças (meninos e meninas) que corriam alegremente à volta deles.
O Preto Velho pitou o cachimbo, sorriu mais uma vez e falou:
- Estes espíritos à direita, meu pequeno, são aqueles que trazem as vibrações mais sutis, de cura espiritual, de abertura de caminhos e, principalmente, mostram aos humanos encarnados por onde trilhar os “Caminhos da Evolução”. Tanto eles, quanto os guardiões e guardiãs da esquerda, menino, trabalham sob a irradiação e tutela dos Sagrados Orixás.
- Mas, quem são os Sagrados Orixás, Pai Cipriano do Cruzeiro das Almas?
O Preto Velho sorriu, pitou o cachimbo, olhou para a frente. Imediatamente, o menino também olhou... e ficou maravilhado com o que viu.
Caminhavam em sua direção, 14 Orixás. Á frente, o Divino Obaluayê, acompanhado à sua direita da Divina Nanã Buruquê e à sua esquerda do Divino Omulu, conduziam aquele grupo que aproximava-se do Cruzeiro das Almas. Logo atrás, vinham o Senhor Ogum Megê, a Senhora Iansã das Almas, o Senhor Xangô da Calunga, acompanhado da Senhora Egunitá. A Divina Mãe Obá, vinha acompanhada do Sagrado Oxossi. Também estavam naquele grupo: a Divina Mãe Oxum e o Divino Oxumaré,
E, pelo alto, irradiando sobre aquele Campo Santo, o Sagrado Pai Oxalá, acompanhado da Divina Mãe Oiá-Tempo e da Senhora da Vida, a Sagrada Mãe Iemanjá.
O menino, emocionado com aquela visão, olhou novamente para o Preto Velho e falou:
- Agora eu compreendo tudo, Pai Cipriano do Cruzeiro das Almas! Deus está aqui no Campo Santo também, manifestando seus Poderes através dos Sagrados Orixás.
O Preto Velho soltou uma suave gargalhada.
O menino prosseguiu:
- Algumas pessoas falam tão negativamente deste ponto de forças que é o cemitério, não é Pai Cipriano?
- É sim, pequeno! Mas falam por desconhecimento de causa, tenha certeza! A ignorância é uma trava muito forte na evolução dos espíritos (encarnados e desencarnados), saiba disso! No momento em que os humanos banharem-se em humildade e buscarem o conhecimento, começando pelo auto-conhecimento, aí sim, pequeno, o planeta caminhará para a evolução e a ascensão como deve ser.
O menino sorriu. O Preto Velho prosseguiu:
- E, num dia como hoje, em que as pessoas adentram o Campo Santo a fim de chorar a saudade daqueles que foram e são para elas muito importantes, talvez, pequeno, elas passem a procurar este campo de forças com sorriso no rosto e com o intuito da celebração da vida, que é eterna. Quando os humanos conseguirem tirar de seus corações o muro que os separa da morte, aí, pequeno, verão que ela não existe e sorrirão, pois, terão plena certeza de que a vida é eterna.
O menino sorriu. O Preto Velho falou:
- Siga neste caminho, que é o da busca do conhecimento e você trilhará por um jardim muito florido, pequeno!
- Sim senhor, Pai Cipriano do Cruzeiro das Almas!
- Agora vá brincar, pequeno, por que é a melhor coisa que você pode faze por ora.
O menino beijou a face do Preto Velho, saiu correndo por entre as lápides, sorrindo e cantando.
Pai Cipriano do Cruzeiro das Almas, satisfeito, sorriu, pitou seu cachimbo e permaneceu sentado observando os movimentos naquele Campo Santo.
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